Diversidade por biomas (Amazônia, Cerrado etc.)

Para o mirmecologista brasileiro, isso representa um privilégio e uma oportunidade sem igual. Não precisamos olhar para guias de outros continentes para encontrar comportamentos fascinantes ou espécies espetaculares. Cada um dos grandes biomas brasileiros, com seu clima, solo e vegetação únicos, esculpiu uma comunidade de formigas (uma «mirmecofauna») distinta e perfeitamente adaptada. Fazer uma viagem por esses biomas é entender a incrível plasticidade evolutiva desses insetos. Para nós, aqui no Rio de Janeiro, estamos imersos na Mata Atlântica, mas compreender o que vive nos outros biomas enriquece nossa apreciação pela magnífica tapeçaria da vida em nosso país.

1. A Mata Atlântica: A Floresta Úmida e Vertical

Este é o nosso bioma natal, uma floresta tropical úmida caracterizada por sua densa vegetação, um dossel fechado e uma camada profunda e rica de folhas em decomposição no chão (a serrapilheira). A vida aqui é tridimensional.

• Mirmecofauna Característica:

  • Dominância Arborícola: Uma proporção enorme da vida das formigas acontece nas árvores. É o lar das agressivas e populosas colônias de Azteca, que vivem em simbiose com as Embaúbas, e de uma variedade incontável de Crematogaster construtoras de ninhos de «cartão». As belíssimas Cephalotes (formigas-tartaruga), com seus soldados de cabeça em escudo, também patrulham os troncos e galhos.

  • Gigantes da Serrapilheira: O chão da floresta é o território de caça dos titãs. É aqui que encontramos a lendária Paraponera clavata (formiga-bala) e as predadoras de estalo, as Odontomachus. A umidade constante e a abundância de presas sustentam esses predadores de topo.

  • Engenheiras do Solo: As onipresentes cortadeiras, Atta (Saúvas) e Acromyrmex (Quenquéns), são as grandes engenheiras do ecossistema, enquanto uma diversidade estonteante de Pheidole domina os espaços mais abertos.

  • Ícones Locais: É o lar de algumas das mais belas Camponotus do mundo, como a C. rufipes e a C. sericeiventris.

2. A Amazônia: O Epicentro da Diversidade

A maior floresta tropical do mundo eleva as características da Mata Atlântica a um novo patamar. A diversidade aqui é a mais alta do planeta.

• Mirmecofauna Característica:

  • Formigas-de-Correição: A Amazônia é o palco clássico das incursões das formigas-de-correição do gênero Eciton. Suas colunas de caça e seus bivaques (ninhos vivos) são uma das forças mais poderosas e temidas do ecossistema.

  • Especialistas em Simbiose: A complexidade das interações entre formigas e plantas atinge seu ápice aqui, com exemplos como os «jardins do diabo» das Myrmelachista e inúmeras outras simbioses arborícolas.

3. O Cerrado: A Savana de Fogo e Sementes

O Cerrado, a savana mais biodiversa do mundo, apresenta um ambiente de extremos: um sol forte, uma longa estação seca e incêndios naturais periódicos. A vida aqui é adaptada ao calor e à escassez.

• Mirmecofauna Característica:

  • As Grandes Colheitadeiras: Este é o domínio das formigas-ceifeiras. Gêneros como Pogonomyrmex são mestres em coletar e armazenar sementes em seus ninhos profundos para sobreviver à estação seca. Muitas espécies de Pheidole e Solenopsis também são granívoras ávidas aqui.

  • A Capital das Saúvas: Os campos abertos e o solo profundo do Cerrado são o habitat perfeito para as gigantescas cidades subterrâneas das saúvas (Atta). Seus ninhos, com seus montes de terra solta, são a característica mais marcante da paisagem.

4. A Caatinga: A Vida no Semiárido

Único bioma exclusivamente brasileiro, a Caatinga é um ambiente de semiárido, com chuvas escassas e irregulares e altas temperaturas. As adaptações das formigas aqui são focadas na conservação de água e no aproveitamento máximo dos recursos.

• Mirmecofauna Característica:

  • As Potes de Mel Nativas: A Caatinga é um dos locais onde a incrível estratégia de «pote de mel» evoluiu em gêneros como Myrmelachista. As operárias repletas armazenam o néctar das flores que surgem após as raras chuvas.

  • Forrageadoras Noturnas: Muitas espécies são estritamente noturnas ou crepusculares, evitando o calor letal do dia.

  • Ninhos Profundos: A vasta maioria das colônias vive em ninhos muito profundos, buscando as camadas mais úmidas e frescas do solo.

5. O Pantanal e os Pampas

• Pantanal: Na maior planície inundável do mundo, a vida das formigas é regida pelo ciclo das águas. Muitas espécies são arborícolas para escapar das inundações, enquanto outras desenvolveram a capacidade de formar «jangadas» vivas com seus próprios corpos para sobreviver. É a região de origem da infame Solenopsis invicta.

• Pampas: Nos campos temperados do sul do Brasil, a mirmecofauna começa a se assemelhar mais com a da Argentina e do Uruguai, com espécies adaptadas a invernos mais frios. É uma das poucas regiões do Brasil onde registros raros do gênero Lasius foram feitos.

Conclusão: A Melhor Formiga é a Local

Esta viagem pelos biomas nos mostra uma lição fundamental: a diversidade ao nosso alcance é imensa. A melhor, mais adaptada e mais responsável espécie de formiga para você criar é, quase certamente, uma rainha que voou perto da sua própria casa. Aprenda sobre o seu bioma local. Conheça as espécies que definem a sua região. O ato de capturar uma rainha deixa de ser um evento aleatório e se torna uma conexão profunda com a grande história ecológica do Brasil.